terça-feira, 13 de novembro de 2012

Uma sociedade de mercado

MICHAEL KEPP*
Interesses econômicos controlam nossas vidas encorajando o consumismo precoce e a auto-humilhação 

Se valores e experiências compartilhados nos unem, ajudando a forjar uma humanidade comum, as leis deveriam proibir práticas de mercado que enfraquecem esse elo?

Veja a catarinense de 20 anos que, no mês passado, vendeu sua virgindade por US$ 780 mil (R$ 1,58 milhão) a um japonês por meio de um leilão. Deveria a prostituição de uma pessoa que não é menor de idade ser ilegal? E até que ponto a profissão dela a separa do resto de nós?

Outra questão envolvendo o corpo humano: o Brasil e outros países deveriam continuar a proibir a venda de órgãos? Se isso for liberado, quem tiver condições econômicas para comprar um coração, um fígado ou um rim desfrutará de vantagens enormes, que enriquecem e estendem a vida e que são negadas ao resto de nós.

Eis outro privilégio injusto que o dinheiro pode comprar: detentos numa prisão da Califórnia podem pagar US$ 90 (R$ 182) por noite para ficar numa cela mais limpa e silenciosa.

Mais um caso: em 2005, uma americana recebeu US$ 10 mil (R$ 20 mil) de um cassino on-line para fazer uma grande tatuagem permanente do endereço do site do cassino em sua testa. Uma transação financeira que encoraja a auto-humilhação deveria ou não ser proibida?
Ainda outro exemplo: em 2001, uma escola pública americana ganhou US$ 100 mil (R$ 203 mil) de um supermercado local e, em contrapartida, mudou o nome de seu ginásio esportivo para "ShopRite (CompraCerta) de Brooklawn Center".

Ou o caso da escola particular de São Paulo, onde a representante de uma fabricante de absorventes internos deu uma aula sobre educação sexual a alunas de 10 anos e distribuiu seu produto para elas.

Será que as escolas deveriam ensinar crianças altamente impressionáveis a se tornarem consumidoras?

Em um livro novo sobre questões desse tipo, "O que o Dinheiro Não Compra", o filósofo americano Michael Sandel argumenta que "uma economia de mercado virou uma sociedade de mercado onde tudo está à venda".

Existem coisas, como o amor, que o dinheiro não compra. Mas há menor quantidade delas, porque os mercados controlam nossas vidas como nunca antes fizeram, encorajando a auto-humilhação e o consumismo precoce. Dão a quem puder pagar privilégios tão injustos que criam um oceano entre eles e nós, os outros. Isso enfraquece o elo que nos une. 
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* MICHAEL KEPP, jornalista americano radicado há 29 anos no Brasil, é autor do livro "Tropeços nos Trópicos - crônicas de um gringo brasileiro (ed. Record) www.michaelkepp.com.br
Fonte: Folha on line, 13/11/2012
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