domingo, 11 de novembro de 2012

Mélenchon e Tarso Genro conversam sobre crise e desafios da esquerda

 

Em encontro em Paris, Jean-Luc Mélenchon, candidato da Frente de Esquerda nas últimas eleições presidenciais francesas, debateu com o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, as experiências atuais de governos de esquerda no mundo, os reflexos da crise econômica na Europa e alternativas para superá-la. "Frente à internacional da austeridade e da finança, a esquerda precisa construir a internacional da solidariedade e da partida", disse Mélenchon.


O último compromisso do governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, em Paris, depois de uma missão de três dias na França, onde teve diversas reuniões, entre elas com o presidente François Hollande, foi encontrar o amigo Jean-Luc Melénchon, para uma conversa sobre as experiências atuais de governos de esquerda, os reflexos da crise econômica nos diferentes países da Europa e qual papel da França em construir alternativas para sair da crise sem reduzir os direitos sociais.

Candidato à presidência na última eleição pela Frente de Esquerda, Mélenchon alcançou 11,1% dos votos, tendo começado com 1% e alcançado até 18% nas pesquisas. Emigrado do Partido Socialista em 2008 para construir um novo Partido de Esquerda, sua contundência e entusiasmo para defender um projeto de sociedade mais humanista e solidária chegou a empolgar a esquerda francesa. Mas o eleitorado preferiu não arriscar e apostar no voto útil e substituir Nicolas Sarkozy no comando da Nação ao invés de dividir votos entre dois candidatos do mesmo campo.

No primeiro turno, seu projeto reavivou o vermelho da bandeira francesa, cor dos partidos de esquerda, que tem esmaecido e desbotado juntamente com as ideologias e intimidado projetos mais radicais de transformação social, mimetizados e diluídos no rescaldo da panaceia neoliberal.

Destacado político de esquerda, militou no Partido Socialista Francês desde 1977, eleito como conselheiro municipal de Massy (1983), conselheiro geral de Essonne (1985), senador em 1986, 1995 e 2004. Foi ministro do governo de Lionel Jospin de 2000 a 2002, eleito eurodeputado pela Frente de Esquerda em 2009 e co-presidente do Partido de Esquerda (Parti de Gauche).

Durante duas horas de conversa em fluente espanhol num café próximo a casa de Mélenchon, no Arrondissement 10, Genro e Mélenchon falaram das experiências de governos atuais de esquerda, especialmente na América Latina, de onde o líder francês declarou ter extraído inspiração para seu programa de governo. Refletiram sobre os rumos da esquerda mundial, que tipo de políticas os governos desse campo estão implementando e os desafios de garantir coesão social e organização para enfrentar novos paradigmas num momento de redesenho geopolítico, onde os países emergentes ocupam avançadas posições no tabuleiro político e econômico.

Para Melénchon, causas comuns aos povos, mais do que partidos, agremiações e ideologias, são uma nova forma de reaglutinação de movimentos de transformação no mundo, aquilo que chama de “revolução cidadã”. Um desses temas aglutinadores seria, por exemplo, a propriedade coletiva da água, bem natural privatizado em muitos territórios.

Ele acredita que temas desta natureza são capazes de mobilizar, reencantar, unificar estratégias supranacionais e dar sentido real às mobilizações dos ativistas das redes sociais, os indignados do 15M, os acampados contra os desmandos do sistema capitalista em Wall Street.

“- Mira Tarso”, retomava Mélenchon a cada novo tema que se apresentava, refletindo sobre distintos movimentos como a Revolução Francesa, a experiência bolivariana na Venezuela, das gestões no Equador e na Bolívia, os desafios da atualização socialista em Cuba, entre outras análises. Mas não há qualquer modelo atual cobiçado por ele como realmente de esquerda. Esse é justamente o desafio deste diálogo. 

Melénchon fala do consumismo excessivo, 
 da ditadura da moda que 
força pessoas a vestirem-se de forma 
 padronizada, alimentação 
pouco saudável e engordante 
e vida apressada

Para Mélenchon, os governos atuais são no máximo desenvolvimentistas, aumentando a capacidade de consumo de um maior número de pessoas privados do acesso de um conjunto de bens pela concentração do capital. Porém, ele reflete que parte dessas massas que ascenderam socialmente foram cooptadas pelo projeto social-democrata que ampliou o consumo de bens e serviços aquietando e acomodando em boa parte desejos mais profundos de mudanças mais radicais de modelo e sociedade.

Com 61 anos, gestual firme ao mesmo tempo fraterno e convincente, Melénchon fala do consumismo excessivo, da ditadura da moda que força pessoas a vestirem-se de forma padronizada, alimentação pouco saudável e engordante e vida apressada, práticas cotidianas massificadas e distantes de um processo consciente mais ecológico de transformação social para a construção do “homem novo” e de um processo político civilizatório onde o bem estar do homem de forma integral seja a meta.

O dirigente do Partido de Esquerda francês tem dúvidas sobre o sucesso da estratégia do ex-companheiro de partido François Hollande. Entende que a França também sofrerá os impactos da crise econômica e as pressões da Troika Europeia, que fragilizaram a Grécia, Portugal, Espanha, debruçasse sobre a Itália e tangencia economias em tese mais fortes. Sinais confirmados nesta semana com o anúncio do “Pacto nacional pelo crescimento, competitividade e emprego” do governo francês, criticado até mesmo pelos socialistas.

Em comum, os dois dirigentes compreendem que é impossível um projeto de esquerda sem base social.

Jean-Luc Mélenchon acredita que a Frente de Esquerda pode governar a França em pleitos próximos e prepara-se para seus futuros governos, baseado no fim do sistema bancário e financeiro europeu que não pode sustentar-se nos atuais patamares.

Comparando o resultado das urnas, disse: “O total de votos de esquerda aumentou muito em relação à eleição presidencial anterior, passou de 13,3 milhões (36,4) para 15,7 milhões (43,7). É o melhor resultado eleitoral da esquerda em eleições presidenciais na França desde 1988”. Destacou que “parte essencial da dinâmica de avanço da esquerda veio visivelmente da Frente de Esquerda, que trouxe 2/3 dos novos votos que a esquerda conquistou”.

Todas as teses expressas a Tarso Genro, ele enviou por escrito um dia depois (9) ao Comício Internacional “Europa contra a Austeridade”, em Lisboa, reunindo os principais líderes de esquerda europeus. “Frente à internacional da austeridade e da finança, existe a internacional da solidariedade e da partilha”, disse no seu discurso lido pela colega da Frente, Céline Menezes, em castelhano.

“Somos a ferramenta dessa internacional. Não somos meramente um sonho. Somos o começo da realização deste mesmo sonho em que cada um reforça o outro”, referindo-se às representações de esquerda presentes.

“Os nossos governos devem saber começar de imediato as necessárias planificação ecológica e reorganização da sociedade. Essa é a nossa responsabilidade diante da história contemporânea”. Conclui sua mensagem aos participantes, convicto de sua utopia realizável: “Somos um dos futuros possíveis da União Europeia. Camaradas, recordemos que o pior seria que fôssemos incapazes de retirar da crise a oportunidade de dar a luz a um mundo novo”, convidou.

Neste final de semana (10 e 11) ocorre a VIII Convenção Nacional do Bloco de Esquerda, em Lisboa, antecedendo uma greve geral ibérica e manifestações em vários países contra as medidas de austeridade convocada para o dia 14 de novembro. 
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Fonte: Redação http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21240

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