segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Analisando as principais críticas à proposta

Carlos Orsi*

TENDÊNCIAS/DEBATES
O ASSUNTO DE HOJE: DEUS NO DINHEIRO
Estado ateu seria escrever 'Deus não existe' na moeda. Usá-la para mandar pessoas louvarem a Deus é um caso bem claro de subvenção do Estado à religião 

Entre várias que circularam nos últimos dias, a crítica mais comum ao pedido do Ministério Público Federal para que o real deixe de trazer a frase "Deus seja louvado" é a de que essa solicitação seria "falta do que fazer". 

Uma objeção curiosa porque, primeiro, suscita a pergunta: e quando a frase foi incluída no dinheiro, será que ninguém tinha nada mais importante a fazer? (O lema entrou na moeda com o Plano Cruzado, que acabou levando o país à falência, em 1987.) 

Em segundo lugar, a alegação de "falta do que fazer", ao esquivar-se do mérito da questão, embute um reconhecimento tácito de derrota. 

É como se o crítico dissesse que sim, a frase não deveria estar lá, mas será que não temos erros maiores a corrigir antes? 

Só que a presença do lema no real é um erro grave -viola o princípio geral do Estado laico e a letra da Constituição- e relativamente fácil de corrigir. Então, por que não resolvê-lo, logo de uma vez? 

Confrontadas com essa sugestão, muitas das pessoas que vinham argumentando que o problema era irrelevante e, portanto, não precisava ser solucionado, repentinamente convertem-se em defensoras ferrenhas da frase. O que indica que a alegação de irrelevância não passava de mera afetação. 

Um pouco sobre o laicismo: ele deriva diretamente do princípio da liberdade religiosa: se todo brasileiro é livre para ter a religião que quiser (ou não ter religião nenhuma), então é errado que o governo, que representa e é sustentado pela totalidade dos cidadãos, eleja favoritos. 

O artigo 19 da Constituição proíbe o Estado de "subvencionar" cultos religiosos. E usar dinheiro para mandar as pessoas louvarem a Deus me parece um caso claro de subvenção.
Da mesma forma que seria errado, porque discriminatório, o governo pôr "Vai Corinthians" ou "Sempre Flamengo" na moeda, mesmo sendo estas as nossas torcidas majoritárias, é errado fazer isso com "Deus seja louvado", "Deus não seja louvado" ou "Satanás é o senhor". Todas são frases que uma vez sancionadas pelo Estado, alienam e discriminam cidadãos brasileiros. 

Há ainda quem tema que, à remoção da frase, sigam-se extinção de feriados e a mudança dos nomes de cidades, como São Paulo. 

O temor ignora, porém, que os nomes de cidades seculares têm peso cultural e histórico muito maior que "Deus seja louvado" (lema adotado nos anos 1980). Sobre os feriados, quantos mantêm caráter, de fato, religioso? O coelhinho da Páscoa e Papai Noel, por exemplo, não têm culto, exceto nas lojas de chocolate ou de brinquedos. 

Há ainda a objeção de que "o Estado é laico, mas não ateu". Sim, o Estado não é ateu! Só que ninguém exige que o real passe a dizer "Deus não existe", mas apenas que o dinheiro pare de falar de Deus e ponto. Confunde-se neutralidade com oposição, o que é tolice ou má-fé. 

O medo de que a frase desapareça do real reflete, no fim, uma ótica de disputa de prestígio: nesse enfoque, se "Deus seja louvado" sair do dinheiro, isso significará que "os ateus estão mais fortes", ou que o sentimento religioso perdeu relevância na sociedade, o que algumas pessoas consideram intolerável. 

É uma interpretação míope. Há muitos religiosos que consideram a frase inadequada, seja por respeito ao caráter laico do Estado, seja por acreditar que o vil metal, causa de tantos crimes e pecados, é indigno do nome do ser supremo. 

Se realmente há algum "prestígio" em jogo, certamente não é o do suposto criador, mas apenas o que alimenta a vaidade de alguns de seus autoproclamados representantes aqui na Terra. 
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* CARLOS ORSI, 41, é jornalista e escritor, autor do livro de ensaios "O Livro dos Milagres" (Vieira & Lent) e do romance "Guerra Justa" (Draco) 
Fonte:  http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/26/11/2012
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